23 junho 2009

143. A tua pele adora o som

Encosta um espelho à tua pele...
Encosta a tua mão à minha face.

A Terra irá esquecer-nos.
Iremos perder a nossa respiração,
expandindo e explodindo,
em tons de azul, branco e verde.
Iremos esquecer tudo algures
nos locais onde os nossos pés já estiveram.
Os locais que se transfiguraram
da realidade para o canto da nossa memória.
Pressionando-te mais forte e profundo contra mim,
nervoso sob o meu toque - também iremos ser esquecidos.

Eu sei.

Tu irás esquecer-me.
Irás tocar nas minhas costas,
irás inclinar-te para trás e irás cair.
Não te irás lembrar de mim quando acordares.
És um monstro...
E os monstros têm mentes bonitas,
onde me irei perder nas florestas, colinas e desertos da tua mente.
És um monstro
e os monstros são demasiado bonitos,
demasiado assustadores para o mundo onde vivem.
Tu és um monstro e eu sou um monstro,
e tu irás esquecer-me e eu irei perder-me.

Eu sei. Desculpa.

O futuro que me prometeste...
Está embebido por debaixo da tua pele.
Um destino esperado,
uma perspectiva prometida.
Dizes que terei rosas,
caindo dos teus cabelos como se tivessem nascido aí.
Dizes que não haverá sangue,
que tu serás o fruto, sangrando sumo de um corte de papel.
Dizes que terei sorrisos,
gozando com esses lábios como sonhos
que descobriste nas palmas das tuas mãos.
O futuro é a tua prenda, o teu romance, a tua vida.

O passado não faz essa promessa.
Ele deita-se na tua cama
e traça os seus dedos sobre os teus ombros
e descansa a sua face sobre o teu pescoço
e pede-te para chorares, só um pouco.
Quando o puxas para o lado
ele deita-se no canto
e enfia a cabeça entre as pernas
para vomitar escuridão,
onde gatinha silenciosamente para dentro da tua cama
e o abraças sem que dês conta,
e ele beija-te com os seus lábios selados
e sujos de palavras vis
que surgiram nos teus pesadelos de criança,
de rejeições e mortes.
E depois acordas com ele a afagar-te o cabelo.
E tens lágrimas na tua almofada.

O passado é a tua morte,
beijando o teu ouvido quando não dás conta,
mordendo na cartilagem da tua pele.

Olha para baixo, para o presente.
Agarra-o por entre os dedos e aperta-o.
Repara no visco rosa e violeta.
Estava à tua espera.
Deixa-o entrar.

Tu irás esquecer-me.
O que é que isso faz de mim?
Mais um nome numa lista?
Um número cravado na tua palma,
por entre linhas de coração e linhas de vida,
e a minha vitalidade o meu futuro e todos os que amarei,
alguma vez,
todos o que me espezinham?
Que são eles para ti?
Cabelos nas tuas sobrancelhas?
Dedos nos teus lábios?

Que tipo de pessoa és tu afinal?
O que esperas de mim afinal?